CAPÍTULO 1
POR QUE SE IMPORTAR COM TEOLOGIA?
Costumamos achar fácil falar das
coisas de que realmente gostamos. Nosso entusiasmo pode ser contagioso, fazendo
com que outros queiram compartilhar de nossos interesses. Então, o que poderia
ser mais natural para os cristãos do que falar sobre sua fé? Falar sobre Deus é
tão natural quanto importante.
A maioria dos termos técnicos vem
da língua grega. As palavras que terminam com “logia” são baseadas na palavra
grega logos, que significa algo como “conversa” ou “discussão”. Assim como “biologia”
significa “conversa sobre a vida” (da palavra grega bios, “vida”). “Teologia”
é, portanto, “conversa sobre Deus” (da palavra grega theos, “Deus”). De certa
forma, todos somos teólogos, na medida em todos queremos falar sobre Deus. Só
que não é tão simples assim.
A maioria dos cristãos não acha importante
a teologia. Escrevo essas palavras com tristeza. Antes de prosseguirmos, no entanto,
é essencial sermos honestos em relação a isso. A teologia é vista
normalmente,
até mesmo entre os cristãos mais aplicados, como especulações sem sentido vindas
de pessoas que deveriam estar fazendo algo mais útil de sua vida — como
pastorear igrejas ou trabalhar no campo missionário.
Como acredito que a teologia é muito
interessante — algo que traz profundidade e maravilhamento para nossa fé — ,
não me desanimo diante dessa atitude. Antes, posso entendê-la. Tendo ensinado
teologia na Universidade de Oxford por muitos anos, tenho consciência de que
muitos dos escritos teológicos são difíceis de ler, cheios de jargões e parecem
pouco relevantes para o aprofundamento da fé pessoal ou o encorajamento à
missão da Igreja. Mas não tem que ser assim.
Este livro é escrito na perspectiva
de que a teologia cristã consiste num dos assuntos mais fascinantes que alguém
pode querer estudar. Se você já tentou e ficou frustrado ou desencorajado, por
que não lhe dar outra chance?
Teologia para amadores vai
apresentá-lo à teologia partindo do princípio de que você a desconhece. Se já
teve uma experiência desencorajadora, esqueça. Vamos recomeçar. E enquanto exploramos
a teologia juntos, podemos entender sua importância na prática. Então, por onde
devemos começar?
Talvez com um dos mais simples,
porém profundos, versículos bíblicos: “O Senhor é o meu pastor” (SI 23:1)
CAPÍTULO 2
ANALISANDO UMA IMAGEM: DEUS COMO
PASTOR
“O Senhor é o meu pastor” (SI
23:1) é uma das passagens bíblicas mais conhecidas. Muitos cristãos a consideram
imensamente confortante e tranquilizadora, sobretudo quando enfrentam tempos
difíceis. Mas o que ela significa? E como serve de ajuda para entender por que
a teologia ajuda na fé? O que lhe vem à mente quando falamos de pastor de ovelhas?
Nos tempos bíblicos, o pastor era alguém responsável por um rebanho de ovelhas.
Ele as guiava pelo deserto, tentando encontrar comida e água para elas,
protegendo-as dos animais selvagens. Então, o que isso diz a respeito de Deus? Precisamos
deixar claro desde o início que pensar em “Deus como pastor” não significa que
Deus é um ser humano que passa o tempo guiando vários animais pelo deserto. Em
um primeiro momento, a passagem bíblica que examinamos poderia sugerir que Deus
é humano. Mas obviamente não é esse o caso e, é claro, não é o que a passagem
significa.
A Bíblia usa analogias para falar
sobre Deus. Se eu afirmo que A é uma analogia para B, não estou dizendo que A
seja idêntico a B. Estou simplesmente declarando que há semelhança entre A e B,
assim como diferenças. Tudo o que sabemos é que as analogias se desfazem se
tentamos levá-las muito longe! De qualquer maneira, as analogias nos permitem
pensar em coisas complicadas e difíceis, usando ideias mais simples e
familiares.
Falar de “Deus como pastor” é
afirmar que “Deus é parecido com um pastor”. Em outras palavras, a imagem de um
pastor de ovelhas nos ajuda a pensar sobre a natureza de Deus e nos permite
entendê-la melhor. Não significa que Deus seja idêntico a um pastor de ovelhas.
Antes, significa que alguns dos aspectos de um pastor de ovelhas nos ajudam a
pensar sobre Deus e apreciá-lo mais.
Vamos colocar isso em prática
listando alguns aspectos dos pastores de ovelhas. Eles:
1. São humanos.
2. Cuidam de um rebanho.
3. Protegem o rebanho dos
perigos.
4. Guiam o rebanho até a comida e
a água.
Agora vamos olhar para cada um desses
itens e ver o que podemos aprender sobre Deus através deles:
1. Todos os pastores de ovelhas
são seres humanos. É obvio que isso não significa que devemos pensar em Deus
como ser humano. Trata-se de um aspecto da analogia que não devemos considerar.
Deus não é um ser humano. Porém, o comportamento de um grupo particular de
seres humanos pode nos ajudar a entender melhor a natureza de Deus. Devemos
concordar, então, que esse é um aspecto da analogia que não devemos tentar
levar muito a diante.
2. Os pastores de ovelhas guiam um
rebanho. O que isso nos diz? É interessante notar que esse aspecto da analogia
nos ajuda a entender algo importante sobre nós mesmos. De início, pode parecer
estranho ou até mesmo um pouco insultante. Até porque as ovelhas não são os animais
mais inteligentes. Elas estão sempre se perdendo e embaraçando-se em cercas.
Ainda assim a Bíblia usa a ovelha como imagem da natureza decaída do ser
humano. Pensar em nós mesmos como ovelhas nos lembra que estamos perdidos e
precisamos de alguém que nos encontre e nos leve para casa em segurança. Pode
não ser muito elogioso pensar em nós mesmos desse modo, mas ainda assim é
totalmente realista!
Reconhecer nossa necessidade de
um pastor significa duas coisas: que precisamos ser salvos e que não podemos fazê-lo
por nós mesmos. Jesus contou uma parábola sobre uma ovelha perdida (cf. Lc 15)
para enfatizar essa questão. Apesar de 99% das ovelhas estarem salvas no aprisco,
protegidas contra os perigos, o pastor saiu à procura da única ovelha perdida. Sem
ajuda a ovelha não encontraria o caminho para casa. Quando o pastor a
encontrou, levou-a de volta em segurança. Talvez a ovelha estivesse machucada
ou cansada. Talvez estivesse apenas perdida, sem a mínima noção de onde estava.
De qualquer forma o pastor foi procurá-la porque isso era importante para ele.
Deus é como esse pastor. Ele quer encontrar aqueles que estão perdidos e
levá-los para casa, em segurança.
3. Os pastores protegiam seus rebanhos do
perigo. Podemos ver aqui uma declaração realmente maravilhosa e comovente do amor
de Deus, e a sua determinação de cuidar de nós. A imagem de um pastor guardando
seu rebanho dos animais selvagens nos lembra que Deus se importa conosco e quer
nos proteger de todos os perigos enquanto caminhamos na estrada da fé. O Novo
Testamento se refere a Jesus como o “bom pastor” — um pastor que está preparado
para entregar sua vida por suas ovelhas (Jo 10). Isso nos mostra a incrível
extensão do amor de Deus por nós.
4. O pastor leva o rebanho à comida e à água.
Sozinhas, elas não encontrariam esses recursos vitais, e morreriam. O pastor as
guia e as vigia enquanto comem e bebem. Essa analogia poderosa nos lembra que
Deus nos provê de tudo o que precisamos em nossa jornada de fé. Tal como Deus
forneceu a Israel o maná dos céus para sustentá-lo durante a longa viagem do Egito
à terra prometida, ele também nos sustentará durante nossa viagem para a Nova
Jerusalém.
Você consegue perceber, então, como
a analogia de Deus como pastor de ovelhas acrescenta profundidade ao maior tema
da fé cristã? E claro que podemos conhecer o amor de Deus por Seu povo sem ter
de pensar no pastor de ovelhas. Mas a imagem do pastor acrescenta profundidade
e vivacidade ao tema. É fácil pensar no amor de Deus de forma abstrata. A
imagem do pastor nos traz a ideia do amor de Deus como algo vívido. Faz-nos
pensar em uma situação real onde amor e cuidado podem ser vistos na prática.
Mas por que a Bíblia usa
analogias como essa? Bem, como poderíamos entender Deus? Como poderíamos pensar
sobre ele? Alguns dos primeiros escritores cristãos costumavam comparar o
entendimento de Deus ao olhar diretamente o sol. Os olhos humanos são
simplesmente incapazes de testemunhar o brilho total do sol. A mente humana, de
igual modo, não pode compreender a glória total de Deus.
Conta-se a história de um imperador
pagão que visitou o rabino judeu Joshua Ben Hananiah. O imperador pediu que lhe
fosse permitido ver o Deus de Joshua. O rabino lhe disse que era impossível,
resposta que não satisfez o imperador. Então o rabino levou o imperador para
fora e pediu-lhe que olhasse diretamente para o sol do meio-dia. — Impossível!
— respondeu o imperador.
— Se você não consegue olhar para
o sol, que Deus criou — respondeu o rabino — muito menos poderá ver a glória do
próprio Deus!
No entanto, como sabe qualquer
astrônomo amador, é possível olhar para o sol usando um pedaço de vidro escuro.
Isso reduz drasticamente o seu brilho, de forma que o olho humano possa tolerá-lo.
Olhar para o sol de outra forma está totalmente além de nossa capacidade. E
igualmente útil pensar nos modelos ou nas imagens de Deus nas Escrituras como
um meio de revelá-lo em proporções toleráveis.
João Calvino (1509-1564),
reconhecido mundialmente como um dos maiores teólogos cristãos, ensinava que
Deus, conhecendo nossa limitação para lidar com conceitos, revelou-se de maneira
que nos fosse acessível. Isso não reflete nenhum tipo de fraqueza ou atitude inadequada
da parte de Deus. É simplesmente um reflexo de sua natureza generosa e doce,
pela qual ele leva nossa fraqueza em conta enquanto se revela. Calvino comenta
que “Deus se acomoda à nossa habilidade” — querendo dizer com isso que Deus usa
palavras, conceitos e imagens com os quais podemos tratar. A Bíblia está
repleta de imagens vívidas e poderosas de Deus que nos permitem apreciar toda sua
maravilha e glória.
Então, o que isso nos diz sobre teologia?
Um dos maiores papéis da teologia é nos ajudar a expressar o que queremos dizer
quando falamos de Deus. A maioria dos cristãos pensa muito pouco sobre sua fé,
usando palavras e imagens superficiais, sem conseguir apreciar sua profundidade
e riqueza. A teologia nos força a fazer perguntas como: “O que você quer dizer
quando diz que Deus é nosso pastor?”. Além disso, ao nos forçar à reflexão, ela
nos oferece a oportunidade de aprofundar o entendimento e o apreço por nossa
fé.
Há muitos cristãos com um entendimento
superficial da fé. A teologia coloca um desafio para uma fé complacente e superficial.
• Ela declara que nossa fé é mais
do que conhecemos.
• Ela nos desafia a ir além.
• Ela oferece a oportunidade de
enriquecer a fé.
Teologia é servir a Deus com a
mente, é permitir que o amor de Deus, que conhecemos interiormente, afete a
maneira como pensamos a respeito dele. A teologia é um esforço para certificar-nos
de que entendemos Deus corretamente.
Vamos levar essa compreensão adiante.
Vimos o valor da teologia na análise da imagem de Deus, e agora devemos olhar como
isso se aplica a um acontecimento, focando especialmente a cruz de Cristo.
CAPÍTULO 3
ANALISANDO UM ACONTECIMENTO: A CRUZ DE CRISTO
A fé cristã baseia-se em fatos,
sobretudo nos que ocorreram no fim de semana que mudou o mundo: a crucificação
e a ressurreição de Cristo. O cristianismo oferece uma visão da história como o
palco em que Deus realiza seus maravilhosos propósitos de redenção.
Acontecimentos precisam ser
interpretados, e seus significados, desenterrados. Uma das grandes tarefas da
teologia é extrair o correto significado dos grandes acontecimentos nos quais a
fé cristã se baseia. Neste capítulo, consideraremos um acontecimento em
particular: a crucificação.
Precisamos analisar logo de início
a relação entre um acontecimento e seu significado. Para alguns, pode parecer
suficiente declarar que Jesus foi crucificado e ressuscitou. Para que mais?
Comecemos concordando que é essencial à fé cristã que esses acontecimentos
tenham ocorrido. Ela se esvaziaria se Jesus nunca tivesse existido, se não
tivesse havido a cruz e se Jesus nunca tivesse ressuscitado. Se esses eventos
não tivessem ocorrido, as credenciais do cristianismo estariam destruídas.
No entanto, o Evangelho é mais do
que uma declaração de acontecimentos históricos! A esse pensamento o reformador
inglês William Tyndale se referia como “fé de um livro de histórias”. Há muito mais
no evangelho do que a simples crença de que algumas coisas realmente
aconteceram na Palestina do século I.
Não são os eventos que envolveram
a crucificação e a ressurreição em si, mas a importância deles para os crentes
que permanecem no centro da fé cristã. Comparemos essas duas declarações:
1. Jesus morreu.
2. Jesus morreu para o perdão de
nossos pecados.
A primeira declaração é
histórica, e, portanto inquestionável e muito importante, embora apenas afirme
a ocorrência de um evento. A segunda declaração é também histórica, mas
acrescenta algo — a interpretação da importância desse acontecimento histórico.
Essa diferença é vital. Algo realmente aconteceu — mas há um significado mais
profundo, e é essencial que ele seja descoberto.
Paulo nos dá um exemplo disso
quando afirma que “Cristo morreu por nossos pecados” (lCo 15:3). Não só o fato
histórico da morte de Cristo é importante, mas o que esse fato significa para nós.
Jesus morreu para nos trazer perdão. A morte dele nos afeta e nos traz
benefícios. Quanto mais entendermos a fé, mais a apreciaremos! Assim, cavar
mais profundamente a pedra fundamental da fé nos ajudará a melhorar nossa
perspectiva do evangelho e a falar sobre Ele com os outros.
Além disso, a cruz possui uma riqueza
de significado difícil de resumir brevemente. É como uma bela obra
arquitetônica, como um palácio ou uma catedral. Para apreciar por completo uma
construção, é preciso vê-la de vários ângulos. Precisamos examinar todos os
aspectos da obra e admirar a complexidade do design e da escultura. Nunca apreciaremos
o imenso trabalho empregado na construção, ou veremos toda sua beleza se
olharmos apenas de relance. Precisamos examinar a cruz de diferentes ângulos se
queremos fazer justiça à rica tapeçaria de reflexões bíblicas que há em seu
significado e relevância.
Então, o que devemos fazer a respeito
da cruz? Podemos pensar nela como uma obra de arte — talvez uma paisagem do renascimento.
Podemos permanecer distantes da pintura, tendo uma visão geral, ou podemos focar
uma pequena parte dela, admirando a complexidade das pinceladas e o efeito das
cores empregadas. Talvez a melhor maneira de “permanecermos distantes” da cruz
seja ler uma das narrativas da paixão dos evangelhos, que contam a história da
traição, do julgamento, da crucificação e da morte de Jesus. Essas poderosas e
evocativas considerações a respeito dos últimos dias da vida terrena de Jesus
nos permitirão sentir um pouco da dor que ele sofreu, a qual nos trouxe a
redenção gratuita.
O Filho de Deus teve de sofrer e morrer para que
nós pudéssemos viver. Essa ideia é mais que o suficiente para nos pôr de
joelhos. Podemos, então, seguir adiante e começar a analisar os detalhes da
cruz. Um dos principais temas nos ensina que a penalidade de nossos pecados foi
paga por Cristo na cruz. Nossa culpa foi removida porque ele entregou sua vida
e derramou seu sangue purificador. Essa questão é colocada de forma poderosa
por Cecil F. Alexander em seu famoso hino
Oh quanto, quanto nos amou.
Não há ninguém bom o bastante
Para pagar o preço do pecado;
Ele é o único que pode destravar
O portão dos céus e nos deixar entrar.
O preço pago por Deus para nos
oferecer o perdão foi alto. Seu Filho morreu para que pudéssemos ser perdoados.
Essa ideia maravilhosa nos ajuda a perceber quanto Deus nos ama. E deve até nos
dar uma ideia de quanto amor devemos retribuir-Lhe!
Mas como pode a morte de Cristo ter
esse efeito? Para analisar esse ponto, devemos olhar a resposta fornecida por
um teólogo profissional — o teólogo do século XI, Anselmo de Cantuária. Deus
criou a humanidade para que pudéssemos ter vida eterna, mas o pecado infelizmente
interveio para impedir que a obtivéssemos sem ajuda. Se é para termos vida eterna,
Deus terá de fazer algo a respeito.
Deus não pode fazer de conta que
o pecado não existe, ou considerá-lo irrelevante. E uma força que tratou de
interromper tudo o que ele havia planejado para sua criação. Um remédio que
desfaça os efeitos do pecado, ainda que leve seus aspectos morais a sério, deve
ser encontrado. Anselmo deu ênfase ao pecado como problema moral. Ele não pode
ser simplesmente ignorado, mas deve ser confrontado. Então, como a ofensa do pecado
pode ser removida? Como pode o pecado ser perdoado justamente, de maneira que
abranja tanto a ofensa causada a Deus pelo pecado quanto Seu generoso amor?
Ao responder essa questão,
Anselmo formula uma analogia vinda dos tempos feudais. Na vida comum, uma
ofensa contra alguém pode ser perdoada desde que algum tipo de compensação seja
oferecido em contrapartida. Anselmo se refere a essa compensação como uma “satisfação”.
Vejamos, por exemplo, um homem que rouba uma quantia de dinheiro. Para
satisfazer as exigências da justiça, ele teria de devolver o dinheiro além de
uma quantia adicional pela ofensa do roubo. Essa quantia adicional é a
“satisfação”.
Anselmo argumenta que o pecado é
uma ofensa séria contra Deus, e ela exige uma satisfação. Como Deus é infinito,
essa satisfação deve ser também infinita. Mas por sermos finitos, não podemos
pagar por ela. Parece impossível, então, que tenhamos vida eterna.
Mas esse não é o fim da questão! Deus
deseja que sejamos salvos — e salvos de maneira a preservar tanto a
misericórdia quanto a justiça dele. Embora nós, como seres humanos pecadores,
devêssemos pagar pela propiciação de nosso pecado, a verdade é que não podemos.
Simplesmente não temos os requisitos ou a habilidade para quitar esse débito.
Em contrapartida, ainda que Deus não
tenha nenhuma obrigação de pagar por isso, ele ainda assim o faria, se
quisesse. Então, Anselmo assevera, fica claro que um Deus-homem seria, ao mesmo
tempo, capaz e obrigado a pagá-la. Assim, a morte de Jesus Cristo, como o Filho
de Deus, é o meio de resolver esse dilema.
Como ser humano, Cristo tem a
obrigação de pagá-la; como Deus, ele tem a habilidade de pagá-la. A dívida,
então, está paga e nós podemos recuperar a vida eterna. A teoria de Anselmo mostra
como a morte de Cristo permite que Deus perdoe nossos pecados sem esquecer Sua
justiça.
Esse pequeno exemplo de análise
teológica nos mostra como a teologia nos ajuda a entender o sentido da cruz. A conexão
entre a morte de Cristo e nossa redenção não é inexistente e tampouco
arbitrária. Como Anselmo demonstra, há uma relação real e importante entre a
cruz e o perdão. Essa relação nos permite ver o sentido da cruz e ampliar a
consciência da maravilha que é nossa redenção e do Deus que graciosamente nos
redime.
Tendo analisado como a teologia
traz sentido para os acontecimentos, observemos o valor da teologia em nossas
referências a Deus. O que significa afirmar que Deus é “onipotente”?
CAPÍTULO 4
ANALISANDO UMA IDEIA: UM DEUS
TODO-PODEROSO
Assim começa o Credo: “Creio em
Deus Pai, Todo-poderoso”. Suponha que paremos nesse ponto e perguntemos: o que
queremos dizer ao afirmar que Deus é “todo-poderoso”? Num primeiro momento, pode
parecer perda de tempo. “Todo-poderoso” é uma palavra bastante simples. Significa
“capaz de fazer qualquer coisa”. E como cremos que Deus é de fato
todo-poderoso, estamos simplesmente dizendo que Deus pode fazer qualquer coisa.
Então por que perder tempo com uma discussão sobre um assunto tão óbvio?
Uma das tarefas da teologia é
fazer refletir sobre o real significado das palavras ao nos referirmos a Deus. Como
falar a respeito de Deus é questão séria, devemos ter certeza de que nossa
compreensão é correta. E evidente que pensar sério sobre assuntos tão “óbvios”
é importante se queremos ser fiéis a Deus. Mas esse esforço também nos ajuda a
entender melhor a natureza e o caráter indescritível do Deus que conhecemos e amamos.
Vamos começar com uma declaração
simples: “Afirmar que Deus é todo-poderoso significa que Deus pode fazer
qualquer coisa”. De início, isso parece bem direto. Mas, pensando melhor, não
é tão simples. Pense na seguinte questão: “Deus pode desenhar um triângulo de
quatro lados?”. Não é preciso muita reflexão para perceber que essa pergunta deve
ser respondida negativamente. Triângulos possuem três lados; uma figura com
quatro lados equivale a um quadrilátero, não a um triângulo.
Agora tente pensar em uma questão
mais complicada: “Deus é capaz de criar uma pedra pesada demais para Ele
carregar?”. Essa questão envolve um interessante problema de lógica. Se Deus
não pode criar tal pedra, então existe algo que ele não pode fazer. Mas se Deus
pode criá-la, ele não será capaz de carregá-la — e assim existe algo que ele
não pode fazer. Qualquer que seja a resposta, a habilidade de Deus fazer
qualquer coisa é colocada em questão.
No entanto, refletindo um pouco mais,
não está claro se essas questões interferem no entendimento que os cristãos têm
de Deus. Triângulos de quatro lados não existem e não podem existir. A
impossibilidade de Deus fazer tal triângulo não consiste em problema sério. Só
nos força a reformular nossa declaração simples, tornando-a mais complexa. “Dizer
que Deus é onipotente significa que Deus pode fazer qualquer coisa que não signifique
contradizer a lógica”.
Ainda precisamos ir além nessa
questão.
Se analisarmos a natureza do
poder de Deus, perceberemos quão maravilhoso e surpreendente é seu relacionamento
conosco. Para entender, precisamos analisar outra questão. “Deus pode levar
alguém que O ama a odiá-Lo?”. A princípio, a pergunta pode parecer um pouco estranha.
Por que Deus quereria transformar em ódio o amor de alguém para com ele? A
questão parece irreal e sem sentido.
Uma análise mais atenta, no entanto,
mostra que a pergunta faz sentido. Em alguma medida, não há problema. “Dizer
que Deus é todo-poderoso significa que Deus pode fazer qualquer coisa que
signifique contradizer a lógica”. Aqui não há uma clara contradição lógica.
Deus deve ter habilidade para transformar o amor de alguém em ódio. Mas há,
obviamente, uma questão mais profunda aqui, que diz respeito ao caráter do
próprio Deus. Podemos imaginá-lo querendo fazer isso?
Para esclarecer ainda mais esse ponto
importante, farei outra pergunta: “Deus pode quebrar Suas promessas?”. Não há contradição
lógica envolvida em quebrar promessas. Acontece o tempo todo. Talvez seja lamentável,
mas não se trata de um problema intelectual. Se Deus é capaz de fazer qualquer
coisa que não envolva contradição lógica, ele certamente pode quebrar uma
promessa.
Para os cristãos, porém, essa sugestão
é ultrajante. O Deus que conhecemos e amamos é aquele que permanece fiel às
Suas promessas. Se não podemos confiar em Deus, em quem poderemos? A sugestão de
que Deus pode quebrar uma promessa contradiz um aspecto vital de Seu caráter: sua
total fidelidade e veracidade.
Há uma tensão entre poder e
verdade. Um traidor todo-poderoso pode fazer promessas em que não se pode
confiar. Ainda assim, uma das maiores percepções da fé cristã é conhecermos um
Deus que pode fazer qualquer coisa — mas que escolheu nos redimir. E tendo
assumido um compromisso, ele permanece fiel às Suas promessas. Temos o privilégio
de conhecer um Deus que escolheu ficar conosco.
O Antigo Testamento expressa essa
ideia nos termos de um pacto — um acordo no qual Deus se coloca como nosso
Deus, para cuidar de nós. Ninguém o forçou a isso. Ele não tinha de fazer isso.
Mas ele escolheu fazer. Por quê? Porque Deus nos ama. Ele não tinha de nos redimir,
mas Ele escolheu fazê-lo. Quando olhamos para o maravilhoso tema da redenção,
começamos a perceber quanto ele nos diz sobre as maravilhas do nosso Deus.
Neste capítulo, vimos a importância
de certificar-nos sobre o que queremos dizer ao referir-nos a Deus com
palavras. Falar de um “Deus todo-poderoso” talvez sugira que ele seja capaz de
realizar qualquer coisa — como quebrar suas promessas. Já analisamos essa ideia
mais atentamente e obtivemos uma compreensão mais firme e satisfatória.
Deus é aquele que se comprometeu
com a nossa redenção, porque Ele nos ama muito. Podemos confiar nele para
alcançar Seus propósitos. Desse modo, a palavra “onipotência” — como usada
pelos cristãos — não significa “a habilidade de Deus fazer qualquer coisa”, mas
“a habilidade de Deus alcançar Seus propósitos”. As ações de Deus não são
logicamente contraditórias ou contrárias a Seu caráter. Em vez disso, Ele
trabalha para atingir Seus propósitos. E quais são esses propósitos? Bem, um
deles é nos salvar. Devemos nos alegrar por ter um Deus que não apenas nos
promete salvação, mas é capaz de fazê-lo. “Aquele que vos chama é fiel, e fará
isso” (lTs 5:24).
No próximo capítulo, desenvolveremos
ainda mais a análise das palavras, enquanto observamos a importância de
descobrir o significado pleno de termos-chave do vocabulário cristão.
CAPÍTULO 5
ACABANDO COM OS JARGÕES:
REDESCOBRINDO AS PALAVRAS CRISTÃS
A teologia nos força a explicar o
que queremos dizer quando nos referimos a Deus. Muitos cristãos — e às vezes
sem perceber! — caem no hábito de usar jargões. Falam sobre coisas como “ser
salvo”. O vocabulário de muitos sermões certamente inclui termos ricos e
estimulantes, como “redenção” e “salvação”, embora talvez sejam usados sem um
real entendimento.
Uma grande fraqueza do cristianismo
moderno é a repetição de palavras e frases-chave sem a devida apreciação de sua
riqueza espiritual. Precisamos redescobrir o significado desses termos e certificar-nos
de que entendemos e apreciamos a sua relevância.
O conhecido teólogo amador C. S.
Lewis levantou a seguinte questão: Cheguei à conclusão de que, se você não
consegue traduzir os próprios pensamentos para uma linguagem não culta, eles
são confusos. A capacidade de traduzi-los é o teste para aferir se você
compreende de fato o que eles significam.
É daí que vem a teologia. Ela se relaciona
com o estudo das palavras cristãs. A teologia as disseca, e nos permite vê-las detalhadamente.
Vejamos alguns exemplos. Comecemos analisando o termo usado no Novo Testamento para
esclarecer o significado da morte de Cristo — resgate.
O próprio Jesus declarou que veio
para “dar a sua vida em resgate por muitos” (Mc 10:45). Essa mesma ideia é
também encontrada em lTimóteo 2:5-6. Paulo se refere a Jesus Cristo como o
“mediador entre Deus e os homens [...] o qual se entregou a si mesmo como
resgate por todos”. Resgate é o preço pago para obter a liberdade de alguém.
No Antigo Testamento, no entanto,
essa ênfase recai sobre a ideia de estar livre, de ser libertado, sem nenhuma
especulação sobre a natureza do preço pago ou sobre a identidade da pessoa a
quem foi pago. Assim, Isaías 35:10 e 51:11 fazem referência à libertação dos israelitas
como os “resgatados do Senhor.” A ideia básica é que Deus interfere para
libertar seu povo do cativeiro, seja do poder da Babilônia (Is 51:10-11), seja
do poder da morte (Os 13:14).
Referir-se à morte de Jesus como
“resgate” sugere três ideias.
A primeira e que alguém e mantido
acorrentado. Para muitos leitores do Novo Testamento, isso pode evocar a imagem
de alguma figura pública mantida em cativeiro contra a vontade. Sua libertação
depende totalmente de alguém preparado para pagar o resgate exigido.
Isso nos leva à segunda ideia: o preço
pago para libertar o cativo. Quanto mais importante a pessoa mantida em
cativeiro maior o preço exigido. Algo maravilhoso no amor de Deus por nós é que
Ele estava pronto para pagar com a morte nossa libertação. O preço da nossa
liberdade foi a morte do Seu único Filho (Jo 3:16).
A terceira lembra-nos que a morte
e a ressurreição de Jesus são libertadoras. Fomos libertados! O Novo Testamento
lembra que Deus nos libertou do medo da morte (Hb 2:14-15) e nos trouxe à
liberdade gloriosa dos filhos de Deus.
Todas essas ideias estão presentes
na palavra “resgate”.
Quando nos esforçamos em conhecer
o significado das palavras, aprofundamos a qualidade de nossa fé. É como
quebrar a dura casca de uma noz e descobrir, dentro, a fruta doce. Pensar em palavras
como “regaste” desvenda a riqueza espiritual e intelectual da fé cristã.
Lembra-nos que o cristianismo salva a alma, aquece o coração e nutre a mente.
Outra palavra usada no Novo
Testamento como referência à obra de Cristo na cruz é “adoção”. Paulo a menciona
para ajudar a explicar os benefícios resultantes da morte de Cristo (Rm 8:15; 8:23;
9:4; G1 4:5; E f 1:5). Então o que isso quer dizer? O que ele espera que seus
leitores entendam?
A adoção não aconteceu no judaísmo.
A palavra, na verdade, vem do direito romano de família, com o qual Paulo (e
muitos de seus leitores, particularmente em Roma) tinha familiaridade. Pela lei,
o pai era livre para adotar qualquer indivíduo como membro de sua família e
lhes dar o status legal de filhos naturais.
Embora persistisse a distinção
entre filhos naturais e adotados, estes tinham o mesmo status legal. Aos olhos
da lei, todos eram membros da mesma família, independentemente da origem. Paulo
usa o termo “adoção” para indicar que, pela fé, os crentes têm o mesmo status
de Jesus (como filhos de Deus), sem querer dizer que tenham a mesma natureza
divina de Jesus.
A fé traz uma mudança em nosso
status perante Deus, incorporando-nos à Sua família, apesar de não compartilharmos
a mesma origem divina de Cristo. A fé em Cristo, portanto, muda nosso status. Somos
adotados na família de Deus, com todos os benefícios que isso traz.
Quais benefícios? Podemos destacar
dois deles. Primeiro, ser membro da família de Deus é ser herdeiro de Deus.
Paulo assim descreve esse fato: se somos adotados como filhos de Deus,
dividimos, com o filho natural, os mesmos direitos de herdeiros. Somos
“herdeiros de Deus” e “co-herdeiros com Cristo” (Rm 8:17), pois compartilhamos
a mesma herança.
A exemplo de Cristo, que sofreu e
foi glorificado, também nós sofreremos e seremos glorificados. Tudo o que
Cristo herdou de Deus um dia será nosso. Para Paulo, essa questão é de grande importância
para entender por que sofremos. Cristo sofreu antes de ser glorificado; logo,
os cristãos devem experimentar o mesmo. O sofrimento por causa do evangelho é
tão real quanto à esperança da glória futura, onde compartilharemos tudo o que Cristo
obteve com a obediência.
Segundo, o ingresso na família de
Deus, pela adoção, traz um novo sentido de pertencimento. Todo mundo precisa
sentir que pertence a algum lugar. Os psicólogos sociais têm mostrado a necessidade
de uma “base segura”, uma comunidade ou grupo que dê às pessoas um sentido, um
propósito, um senso de valor e amor pelos outros. Em termos humanos, essa
necessidade é normalmente preenchida pela unidade familiar. Para os cristãos, essa
necessidade psicológica real é preenchida pela adoção na família de Deus. Os cristãos
podem descansar na certeza de que são valorizados dentro dessa família, o que
lhes confere um senso de autoconfiança que lhes permite progredir e testemunhar
para o mundo.
Esses dois exemplos demonstram
como a teologia pode fortalecer nosso evangelismo. A certeza de que entendemos
nossa fé e sua imensa riqueza espiritual e intelectual torna mais efetivo nosso
evangelismo. Para entender a fé, precisamos destravar-lhe a riqueza,
certificando, assim, que proclamamos a fé cristã em toda a sua grandeza. O
cristão que nunca refletiu sobre sua fé tende a ser um evangelista fraco. Por
quê? Porque nunca gastou tempo para entender sua fé, e portanto vai enfrentar
sérias dificuldades ao tentar explicá-la aos outros.
Entender a fé é precondição para o bom
evangelismo! Você consegue perceber como já estabelecemos uma conexão entre a teologia
e o evangelismo? Devemos continuar aprendendo à medida que caminhamos, e ver
como a teologia pode ajudar a nos tornarmos evangelistas mais eficazes. Enquanto
isso, vejamos como a teologia se conecta à Bíblia.
CAPÍTULO 6
O FUNDAMENTO: A TEOLOGIA E A
BÍBLIA
Cristo me ama, eu bem sei, pois a
Bíblia assim me diz.
Pode parecer um pouco estranho começar
o capítulo com a citação de uma canção de ninar. No entanto, as coisas mais
importantes da vida não raro podem ser ditas de forma simples!
Esses versos singelos nos mostram
o foco e o fundamento da teologia. O foco é Jesus e o amor que ele demonstra
por cada um de nós. O fundamento é a Bíblia, responsável por tudo o que sabemos
sobre Jesus e Deus. A teologia se fundamenta nas Escrituras e foca Jesus.
Veremos, mais adiante, todas as questões sobre Jesus igualmente centrais para
nossa fé. Por ora, pensemos no papel vital e importante da Bíblia na teologia.
A teologia se baseia na Bíblia. Os
cristãos a veem como fonte de verdade e conhecimento confiável sobre Deus,
Jesus e nós mesmos. Trata-se de um fundamento seguro sobre o qual podemos
construir os pensamentos. Então como a teologia se relaciona com a Bíblia?
É importante notar a imensa riqueza
da Bíblia. Não é fácil fazer justiça à magnificência de opções que ela nos
traz. A Bíblia abre uma janela que nos permite ver partes da natureza e dos propósitos
de Deus. A teologia, por sua vez, tenta explorar e descrever o que encontramos
nessas páginas.
Um modo útil de pensar a relação
da teologia com a Bíblia foi apresentada pelo grande pregador escocês do século
XIX Thomas Guthrie. Sua abordagem se baseia nos diferentes ambientes em que
crescem as flores. Guthrie argumenta que a Bíblia é como a natureza. Flores e
plantas crescem livremente em seu habitat natural, sem interferência humana. Nosso
desejo por ordem acaba levando essas mesmas plantas a serem coletadas e organizadas
em jardins botânicos de acordo com as espécies, a fim de que possam ser
estudadas individual e detalhadamente. As mesmas plantas podem, portanto, ser
encontradas em diferentes contextos: um natural e outro resultante da organização
humana. A teologia representa a tentativa humana de colocar ordem nas ideias
das Escrituras, organizando-as e ordenando-as para que a relação mútua entre
elas possa ser melhor entendida.
Olhando dessa maneira, a teologia
não é — e não foi feita para ser — substituta das Escrituras. Em vez disso,
trata-se de auxílio para aprender sobre elas. Como um par de lentes, põe foco no
texto das Escrituras, permitindo que atentemos para o que talvez passasse despercebido.
A doutrina está sempre subordinada às Escrituras; é sempre sua serva, nunca mestra.
Exploremos alguns dos mecanismos
da teologia.
Primeiro, ela procura resumir o
que encontramos na Bíblia. Imagine que alguém lhe peça para falar a respeito de
sua crença em Deus. Há tanto que você gostaria de lhes dizer! Uma das tarefas
da teologia é ajudar a resumir a imensa riqueza dos testemunhos bíblicos sobre
Deus, Jesus e nós mesmos. Na verdade, como veremos em outro capítulo, a
doutrina da Trindade pode ser vista como um resumo dos testemunhos bíblicos
acerca da pessoa e das ações de Deus.
Suponhamos que eles lhe peçam
para explicar o que os cristãos creem sobre Jesus Cristo. Você logo perceberia
que isso tomaria um bom tempo! Você pode querer recitar diversos versículos-chave,
todos com uma clara afirmação sobre a importância de Deus. Mas, mesmo assim,
você não seria capaz de resumir com um simples texto todo o testemunho bíblico
sobre Jesus Cristo.
Passado um tempo, você talvez
comece a se questionar se existe alguma maneira mais fácil de fazê-lo. E
possível resumir em uma ou duas frases o rico (mas muito longo) testemunho
da identidade e da importância de
Jesus Cristo? A afirmação teológica “Jesus é Deus e homem” é uma tentativa. Ela
estabelece, numa linha, uma das caracteríslicas-chave do entendimento cristão
sobre a identidade e o significado de Jesus Cristo. Ainda assim, trata-se de um
resumo do ensinamento bíblico, e não de um substituto dele.
Segundo, a teologia tenta
relacionar as ideias que encontramos na Bíblia. Ela reúne as afirmações
bíblicas e estabelece um quadro geral para cada uma delas. Afirmações bíblicas isoladas
são vistas como tijolos que constroem o quadro geral. Elas são como pinceladas,
que juntas formarão uma magnífica pintura.
Também podem ser pensadas como peças
de um quebra-cabeça gigante. À medida que as peças são encaixadas, surge um
padrão. A teologia tenta juntar as peças, para que possamos ver a figura
completa.
A partir desse ponto é possível
ir mais fundo. Podemos usar a lógica ou a filosofia para ajudar a clarear ou
desenvolver o pensamento. Usemos um argumento lógico para ver como funciona.
Suponha que temos duas ideias,
que chamaremos de A e B.
1. A Bíblia ensina A.
2. Mas se A é verdade, B também
é.
3. Logo, a Bíblia também ensina
B.
Não é difícil perceber como a teologia
pode começar com declarações bíblicas bem simples e, então, desenvolvê-las em
direções mais complexas. Vejamos um argumento clássico sobre a identidade de
Jesus que nos mostra claramente como podemos partir dos fundamentos bíblicos e ampliá-los
para conceitos mais complexos.
Os cristãos declaram que Jesus é
o Salvador. O Novo Testamento frequentemente se refere a Jesus como o
“Salvador”, e aos cristãos como os salvos. Ainda assim, o Antigo Testamento é
claro em dizer que só Deus pode salvar. Então, quais são as implicações disso?
Vejamos como essas ideias se relacionam.
1. A Bíblia ensina que Jesus
salva.
2. A Bíblia ensina que só Deus
pode salvar.
O que podemos concluir dessas
duas declarações?
A resposta óbvia é: Três. Consequentemente,
a Bíblia também ensina que Jesus é Deus.
Como veremos no próximo capítulo,
trata-se de um ponto muito importante. Ainda nesse assunto, nossa preocupação é
perceber como algumas ideias bíblicas básicas podem se tornar o fundamento de
uma reflexão teológica séria. A teologia é uma jornada de descobrimento rumo ao
coração da Bíblia.
Podemos dizer que ela serve para
evidenciar as consequências das afirmações bíblicas, o que envolve trabalhar
duro para explorar e descobrir a rica rede existente no material bíblico. Uma
verdade leva à outra, e a reafirma. Analisaremos isso mais detalhadamente no
próximo capítulo, vendo como os cristãos falam sobre a identidade de Jesus
Cristo.
CAPÍTULO 7
O MAIOR QUEBRA-CABEÇA QUE O MUNDO
JÁ CONHECEU É A IDENTIDADE DE JESUS.
“Quem vocês dizem que eu sou?” (Mc 8:27-79).
Para responder, temos de montar as muitas
peças do testemunho do Novo Testamento sobre a identidade e o significado de
Jesus. Aqui estão alguns desses pedaços.
1.0 Novo Testamento vê Jesus como
o cumprimento do povo de Israel. Mateus afirma várias vezes que Jesus é o
cumprimento de uma profecia do Antigo Testamento. É o Messias, o esperado
mensageiro do povo de Deus.
2. Uma série de títulos são usados para referir-se
a Ele, e cada um nos diz algo especial. Ele é o “Senhor”, que é o mesmo título
usado para se referir a Deus no Antigo Testamento. Ele é o “Filho de Deus” e o
“Filho do Homem”. Algumas vezes, ele é chamado explicitamente de “Deus”.
Vamos nos deter numa delas. O
Novo Testamento não deixa dúvida de que Jesus é o nosso salvador. E o “Salvador,
que é Cristo, o Senhor” (Lc 2:11). E apenas Deus pode salvar! Esse tema ecoa
por todo o Antigo Testamento. O povo de Israel é lembrado constantemente de que
não se pode salvar e não pode ser salvo pelos ídolos das nações circunvizinhas.
E o Senhor, e somente o Senhor, que o salva (Is 45:21-22).
Com o pleno conhecimento de que só
Deus pode salvar, os primeiros cristãos não hesitaram em afirmar que Jesus era
o Salvador. Não se tratava de um mal-entendido de pessoas que ignoravam o Antigo
Testamento! Era simplesmente o reconhecimento do que Jesus conquistou através
da cruz e da ressurreição. Mas, se Jesus fez algo que apenas Deus pode fazer,
quem foi Jesus? Podemos ver aqui uma pista sobre sua verdadeira identidade!
3. Jesus foi levantado por Deus
dentre os mortos. Esse evento permeia todo o Novo Testamento. É visto como boa notícia
para os que creem, os quais compartilharão a ressurreição. Essa ocorrência
também nos informa algo sobre a identidade de Jesus. Segundo Paulo, a
ressurreição de Jesus nos diz que ele é o Filho de Deus (Rm 1:3-4). Pedro
afirma que ela demonstra que Ele é o “Senhor e o Messias” (At 2:36).
4. Os evangelhos registram palavras
e ações de Jesus que lançam luz sobre Sua identidade. Um ótimo exemplo está na
descrição que Marcos faz da cura do paralítico (Mc 2:1-12). Jesus disse ao paralítico
que seus pecados estavam perdoados, provocando raiva e assombro em parte dos
mestres da lei, que assistiam de perto. “Ele está blasfemando! Quem pode
perdoar pecados, a não ser somente Deus?” (Mc 2:7). Esses mestres da lei
estavam certos. Apenas Deus pode perdoar o pecado. Então, o que isso nos diz
sobre a identidade de Jesus?
O fato é que Jesus não teria o
direito ou a autoridade de proferir essas palavras se ele fosse apenas homem.
Jesus, porém, declara possuir autoridade para perdoar, e curar o homem (Mc
2:10-11). Perceba que a ação de Jesus teoricamente só poderia ser praticada por
Deus. Uma importante peça desse gigantesco quebra-cabeça está aqui
representada. Se Jesus pode fazer o que somente Deus pode fazer, temos uma indicação
vital sobre sua identidade.
Não são poucos os que gostam de ler
romances policiais. Identificar o assassino é a questão central de todo bom
mistério policial. Ao leitor são oferecidos indícios, pequenas evidências que
se juntam para ajudá-lo a entender o que aconteceu de fato e descobrir quem
praticou o crime. Os evangelhos também estão preocupados com um mistério — a
identidade de Jesus. Os escritores dos evangelhos queriam que juntássemos todas
as pistas deixadas por Jesus e descobríssemos quem Ele é realmente. Há muitas
evidências que juntar para chegarmos ao veredicto final sobre a identidade de
Jesus.
A teologia tenta reuni-las e
extrair-lhes o sentido. Então, que resultado conseguimos? O que obtemos ao
reunir todas as peças? Duas grandes conclusões surgem.
Em primeiro lugar, Jesus é um ser
humano genuíno. Ele sentiu dor, chorou e experimentou o significado da fome e
da sede. Mas essa ideia, sozinha, não é suficiente para fazer justiça ao
retrato bíblico de Jesus. Devemos passar à segunda conclusão para entender o
porquê. O Novo Testamento insiste que Jesus é bem mais que um ser humano. Sem
negar de maneira alguma a realidade humana de Jesus, o Novo Testamento declara
que ele é o Filho de Deus. Atribui-lhe palavras e ações reservadas
exclusivamente a Deus. Jesus não é apenas um homem que faz o que só Deus pode
fazer — como nos salvar e perdoar pecados. Ele é capaz de fazê-las por causa de
quem Ele é. Por ser Deus, Jesus é capaz de fazer o que Deus faz.
A teologia estabelece que essas
duas conclusões são, primeiro, necessárias e, segundo, justificadas. Resultam
de uma longa e apaixonada análise da pessoa total de Jesus — o que Ele disse, o
que fez, o que foi feito com Ele e como as pessoas reagiram a Ele. Nenhuma outra
forma de pensar sobre Jesus faria justiça às evidências bíblicas.
Os teólogos se referem a essas
conclusões como as “duas naturezas de Cristo”, afirmadas no Credo de Nicéia,
que se refere a Jesus como “verdadeiro Deus e verdadeiro homem”. Pode parecer
uma lógica frágil, mas é a única maneira de fazer justiça ao significado total
de Jesus. A razão humana é simplesmente incapaz de entender esse conceito, mas
é essencial para entender de modo correto a identidade e a importância de
Jesus.
Para esclarecer esse ponto, analisemos
a próxima questão. O que aconteceria se deixássemos de lado uma das conclusões
acima apresentadas? Por exemplo, seria muito mais simples se tratássemos Jesus
como mero ser humano e parássemos de falar sobre ele como Deus. Solucionaria
nosso problema lógico em um instante!
Certamente resolveria. Mas, em
contrapartida, haveria consequências fatais. Se Jesus era apenas humano, não
poderia ter-nos resgatado. Somente Deus pode salvar! Ele não poderia revelar-nos
Deus. Somente Deus pode revelar-Se! Acabaríamos num entendimento lógico que distorceria
a identidade de Jesus e destruiria o evangelho.
Também poderíamos pensar em
abandonar qualquer conversa sobre a humanidade de Jesus. Novamente, uma lógica
perfeita. Mas isso significaria deixar de lado muitos conceitos fundamentais do
evangelho. Se Jesus não é humano (como nós!), então Ele não sofreu de verdade.
Ele não pode se identificar conosco, e não podemos falar da remição vicária de
Deus.
Dorothy L. Sayers expôs o problema
de modo memorável: “Se Cristo foi apenas homem, então Ele é totalmente
irrelevante para qualquer reflexão sobre Deus; se Ele era somente Deus, é totalmente
irrelevante para a experiência da vida humana”.
A teologia nos mostra por que precisamos
afirmar as “duas naturezas de Cristo”, e o que perdemos se a negamos. Mas, acima
de tudo, confirma a coerência do entendimento cristão da identidade de Jesus. Uma
situação similar surge na doutrina da trindade, que consideraremos agora.
CAPÍTULO 8
A TRINDADE: A IMAGEM GERAL SOBRE DEUS
Existe uma história bem conhecida
sobre Agostinho de Hipona, um dos maiores teólogos cristãos, a respeito de um
livro que ele escrevia sobre a Trindade. Num momento de descanso, enquanto
caminhava às margens do Mediterrâneo, viu por perto um menino. Ele enchia um
balde com água do mar, andava uma pequena distância e o esvaziava em um buraco
na areia. Então retornava ao mar e repetia todo o processo. Agostinho assistiu
àquilo por um tempo e, então, perguntou ao garoto o que ele pretendia fazer. —
Estou trazendo o mar Mediterrâneo para esse buraco na areia — respondeu.
Agostinho riu.
— Você nunca fará um oceano caber
nesse pequeno buraco!
Você está desperdiçando seu
tempo. O menino andou em sua direção:
— E você está desperdiçando o seu
escrevendo um livro sobre Deus. Você nunca fará Deus caber em um livro!
Embora alguns estudiosos suspeitem
(e com razão!) que essa história não passe de invencionice, ela salienta um
ponto importante. Não podemos fazer justiça à maravilha completa de Deus. O que
de fato nos compete é fazer tudo o que pudermos para falar sobre Deus de modo
fiel e íntegro.
E esse princípio que sustenta uma
das áreas mais difíceis da teologia cristã — a doutrina da Trindade. Muitos
cristãos aceitam com dificuldade a ideia de que há “um Deus em três pessoas”,
além de parecer complicar desnecessariamente um evangelho simples. Mas não se trata
disso. A experiência cristã de Deus é imensamente rica. É de importância vital
fazer justiça a isso, mesmo que os resultados pareçam difíceis de compreender.
Então
qual é o elemento-chave do entendimento cristão sobre Deus? Os temas bíblicos
básicos que devemos insistir em incluir são:
1. Nosso Deus é aquele que criou
o mundo e tudo o que nele há.
2. Nosso Deus nos redimiu em
Cristo, na cruz do Calvário.
3. Nosso Deus está presente conosco,
agora, por meio do Espírito.
Podemos facilitar as coisas se
reduzirmos nossa visão de Deus a apenas um desses elementos. Por exemplo,
podemos sugerir ser suficiente acreditar que Deus é o Criador. Mas tal
aceitação negaria que Ele nos redimiu ou que se importa conosco. Pode até ser
algo em que seja bem mais fácil acreditar, mas constitui uma visão parcial de
Deus.
É essencial fazer justiça a como
Deus se revelou, em vez de reduzi-Lo à nossa compreensão. A doutrina da
Trindade resume a grandeza de Deus, lembrando-nos de tudo o que Ele fez. Encoraja-nos
a ampliar nossa visão de Deus. Determina, acima de tudo, que não limitemos a
Deus insistindo em fazê-lo caber em nosso pequeno entendimento!
O Breve Catecismo de Westminster traz
a seguinte pergunta:
“Qual é o fim principal do homem?”.
A resposta é celebrada como pedra preciosa na coroa da teologia cristã:
“Glorificar a Deus e regozijar-nos nele para sempre”. Essa breve declaração nos
coloca em uma jornada de exploração teológica. Desafia a adquirir nova
perspectiva da glória de Deus, para que possamos retribuí-la a Ele, e a renovar
a vida espiritual pelo conhecimento de um Deus como Ele. Vislumbrar o esplendor
completo de Deus também estimula o evangelismo. Não foi diante de um relance da
glória de Deus no templo que Isaías respondeu ao chamado divino para seguir na
missão (Is 6:1-9)?
São Patrício, o patrono da minha
Irlanda nativa, apresenta uma visão de Deus em um ótimo hino geralmente conhecido
como “Armadura de São Patrício”. Nesse hino, o crente é constantemente lembrado
da riqueza e da profundidade do entendimento cristão sobre Deus e de como Deus
foi ligado a Ele através da fé:
Eu
me uno hoje
Ao
forte nome da Tríade,
Invocando-a,
Os
três em Um e o Um em três
O hino segue, então, examinando o
vasto panorama das obras divinas na criação. Somos lembrados de que esse Deus, Que
fazemos nosso através da fé, é o mesmo que criou a terra no início. Enquanto
contemplamos as maravilhas da natureza, somos surpreendidos pela ideia de que
esse Deus, cuja presença e poder fundaram o mundo, é o mesmo cuja presença e
poder estão em nossa existência individual.
Eu me uno hoje
Às virtudes do
céu estrelado,
Ao raio doador de
vida do glorioso sol,
Ao testemunho da
lua na noite,
À liberdade da
luz.
Aos choques
tempestuosos do vento sibilante
À terra estável,
ao profundo e salgado mar,
Ao redor das
velhas pedras eternas.
Nossa atenção, então, se volta
para a obra de Deus na redenção. O mesmo Deus que criou o mundo — a terra, o
mar, o sol, a lua e as estrelas — agiu em Jesus Cristo para nos redimir. Na
história de Jesus Cristo, da encarnação à segunda vinda, podemos ver a ação de
Deus para nos redimir, uma ação da qual nos apropriamos e que fazemos nossa
através da fé.
Eu me uno a este
dia para sempre,
Pelo poder da fé,
a encarnação de Cristo;
Seu batismo no
rio Jordão;
Sua morte na cruz
pela minha salvação;
Seu explodir da
tumba lacrada;
Sua ressurreição
de forma celestial;
Sua vinda no dia
do juízo;
Eu me uno hoje.
Somos convidados a refletir na
história de Jesus Cristo: encarnação, batismo, morte, ressurreição, ascensão e
vinda final, nos últimos dias. Todos esses acontecimentos, diz Patrício, são
ações do mesmo Deus que nos criou, enquanto Ele caminha para nos redimir através
de Jesus Cristo. Tudo isso foi feito para nós, criaturas pecaminosas, pelas quais
o Deus gracioso sentiu piedade.
Por fim, o Deus criador do
universo, que nos redimiu através da grande sequência de eventos que se
confundem com a história de Jesus Cristo, é também o Deus que está conosco aqui
e agora, que nos encontra e permanece conosco.
Eu me uno hoje
Ao poder de Deus
para me segurar e me guiar,
Seus olhos ao
vigiar, Sua calma de estar,
O Seu ouvido para
minhas necessidades.
A sabedoria do
meu Deus para ensinar,
A Sua mão a
guiar, Seu escudo a proteger;
A palavra de Deus
a me dar uma mensagem,
Suas hostes
celestiais para me guardar.
Esse é o Deus manifesto nas
Escrituras e que devemos encontrar em nossa experiência — o Deus que quebrou o
molde do pensamento humano, forçando-nos a expandir os limites das ideias e categorias
a fim de que pudéssemos ao menos começar a acomodar ao nosso entendimento sua
maravilha e esplendor.
O grande teólogo medieval Tomás
de Aquino escreveu certa vez que a teologia não diz muito respeito ao
entendimento das coisas uma vez que nos força a ajoelhar em adoração e louvor a
Deus. A doutrina da Trindade mostra a imensidade do Ser de Deus. Lembra-nos de tudo
o que Deus fez por nós. No final, a única resposta apropriada é nos voltarmos a
Ele em louvor e adoração — e desejarmos levar o conhecimento desse Deus maravilhoso
àqueles que ainda não O descobriram.
Tratamos rapidamente, neste
capítulo, da doutrina da criação, no próximo detalharemos um pouco mais,
permitindo-nos olhar a teologia cristã de outra perspectiva. A teologia nos ajuda
a fazer conexões entre os diferentes aspectos da fé. São camadas de alicerce nas
quais podemos crescer, construindo ligações entre fé e vida.
CAPÍTULO 9
ESTABELECENDO CONEXÕES: A
DOUTRINA DA CRIAÇÃO
A fé cristã ensina que Deus é o
criador do mundo. Como podemos compreender essa questão? Que diferença isso faz
em nossa vida e no modo de pensar? A doutrina da criação, que reúne muitos
conceitos apresentados em várias passagens bíblicas, baseia-se principalmente,
como era de esperar, em Gênesis 1—2. Esse texto traz o conceito de que Deus criou
cada aspecto do mundo, incluindo a nós. Outros ensinos bíblicos são
importantes, como a ideia de que Deus colocou ordem em meio ao caos (cf., p.
ex., Is 29:16; Jr 18:1-6).
A criação em Gênesis mostra que
tudo no mundo é obra de Deus. No Antigo Oriente Médio muitos acreditavam que o
sol e a lua eram deuses, e os temiam. Eles tinham de ser adorados da maneira
certa, pois, do contrário, poderiam negar sua luz e deixar o mundo na
escuridão. Os cristãos não precisam temer o sol nem a lua. Eles foram criados
por Deus (Gn 1:14-18) e estão sob a autoridade dele.
Também aprendemos que homem e
mulher foram criados à imagem de Deus (Gn 1:26-27), o que diferencia o ser
humano de todas as demais criaturas. Ser criado à “imagem de Deus” inclui a habilidade
de se relacionar com Ele. Em outras palavras, Deus nos cria com a intenção de
estabelecer um relacionamento pessoal entre Ele mesmo e nós. Ter a “imagem de
Deus” implica algum tipo de semelhança com Deus — mas não uma identidade. Não somos
divinos. Em vez disso, fomos criados com o propósito de nos relacionar com Deus.
O pecado frustrou esse propósito, que só foi realizado pela redenção, trazida
por Cristo. Ao nos salvar da morte, Jesus nos permite estabelecer esse
relacionamento transformador com Deus.
Duas analogias nos ajudam
enquanto tentamos compreender essa importante doutrina. A primeira é pensar em
Deus como construtor ou mestre de carpintaria. Podemos pensar em Deus como ambos,
arquiteto e construtor, alguém que desenhou e construiu uma bonita edificação.
A sabedoria de Deus pode ser vista na maravilhosa organização do mundo.
A catedral de St. Paul, em
Londres, é uma das grandes obra do arquiteto sir Christopher Wren. Ela não possui
nenhum memorial para Wren, mas apenas uma inscrição acima da porta norte que
diz: “Se você está procurando um memorial, olhe ao seu redor”. A genialidade e sabedoria
do arquiteto podem ser vistas no que ele construiu. A sabedoria de Deus também
pode ser vista em sua criação. “Os céus declaram a glória de Deus!” (SI 19:1).
A segunda analogia é a do
artista, talvez um famoso pintor ou escultor. Algo da personalidade e da
genialidade do artista pode ser visto em seu trabalho. Da mesma maneira, a
sabedoria e o amor de Deus podem ser vistos na beleza da criação. Não é de
espantar que tantos estudiosos das ciências naturais sejam cristãos ativos.
Estudar a criação tão detalhadamente significa entrar em contato com a obra do
próprio Deus.
Mas que diferença faz para nossas
ações e nossos pensamentos? Deve haver uma conexão entre a teologia e nossa
vida, crença e comportamento. Tiago nos pede que sejamos praticantes, e não
apenas ouvintes, da palavra (Tg 1:22). Então que diferença faz a doutrina da
criação?
O primeiro conceito que
aprendemos com ela é que o mundo pertence a Deus. Não a nós. Não fomos nós que o
fizemos. Adão foi colocado no Jardim do Éden para tomar conta dele (Gn 2:15).
Trata-se de uma ideia de importância vital. Somos os mordomos, e não os donos,
da criação de Deus. Ele nos confiou Sua boa criação e nos cobrará pela forma
como a usamos. Essa ideia acentua a preocupação dos cristãos quanto ao
meio-ambiente. Somos chamados para proteger a terra, para cuidar do que Deus
criou e nos confiou. Não temos o direito de explorar o mundo para o próprio
benefício. Ele é de Deus, e não nosso. Como Adão foi chamado para cuidar do Éden,
somos chamados para dividir esse mandato da criação. Essa compreensão deve
mudar nosso comportamento diante da criação, deve nos encorajar a respeitá-la e
a cuidar dela como um tesouro que pertence a Deus.
Podemos apresentar isso em quatro
proposições:
1. A ordem natural, incluindo os
seres humanos, resulta do ato de criação de Deus e é feita para ser possessão
de Deus.
2. Os seres humanos são diferenciados
do resto da criação porque foram criados à “imagem de Deus”.
3. Somos encarregados de cuidar da
criação (como Adão foi incumbido de cuidar do Éden), sabendo que essa criação é
possessão amada de Deus.
4. Não há, então, uma razão
teológica para assegurar que a humanidade tem o “direito” de fazer o que quiser
com a ordem natural. A criação é de Deus e ele a confiou a nós. Devemos tomar
conta dela e não a explorar.
A doutrina da criação também apresenta
outro conceito importante: A criação é de Deus; não é Deus.
Algumas religiões, incluindo algumas formas de
paganismo que tiveram um ressurgimento nos últimos anos, dizem que a natureza é
divina. Os cristãos adotam uma abordagem significativamente diferente. A
natureza é criação de Deus. Ela não é divina, mas através dela podemos conhecer
algo sobre a natureza e o caráter de Deus.
Precisamos desenhar uma linha de
separação entre o criador e a criação. Tudo o que está em nosso lado da linha —
incluindo nós! — é criação de Deus, e não algo divino por si só. Não há lugar no
cristianismo para adoração da natureza (um ponto colocado por Paulo em Rm 1—2).
Apenas Deus deve ser adorado. Devemos, porém, respeitar a natureza e cuidar
dela como o trabalho do mesmo Deus que nos ama e nos redime. Amar a Deus é amar
Suas obras — incluindo a criação.
Por fim, percebemos que a doutrina
da criação é também importante para a apologética cristã — ou seja, a defesa da
fé cristã. Em geral é difícil para um não-cristão entender o conceito de Deus.
A ideia de “Deus” pode parecer vã, abstrata e sem sentido para tais pessoas. A
doutrina da criação nos lembra que Deus pode ser conhecido, ainda que de forma
limitada, através da criação do mundo. Deus providencia indicadores visíveis e
tangentes para a sua realidade invisível e intangível.
A criação é como um aviso, apontando
para longe de si mesma, em direção ao Criador — mas chamando-nos a atenção,
porque é algo que podemos ver e sentir. Não atentar para o aviso, adorando-o ao
invés de segui-lo, é cair na religião da natureza. Em contrapartida, seguir a
direção para qual o aviso aponta é chegar ao verdadeiro conhecimento do Deus vivo,
íntimo da natureza e mostrado de forma gloriosa na substância das Escrituras e
em Jesus Cristo.
Uma das mais belas declarações
sobre a força da criação pode ser encontrada nos escritos de Jonathan Edwards
(1703-1758), provavelmente o maior teólogo surgido nos Estados Unidos:
O Filho de Deus criou o mundo [...]
para comunicar a Si mesmo na imagem da própria excelência. [...] Ele comunica
uma espécie de sombra [...] da própria excelência [...] para que quando nos
deleitarmos com prados de flores e brisas gentis [...] consideremos que vemos
apenas a emancipação da doce benevolência de Jesus Cristo.
Assim, a sensação da beleza da
criação, captada quando andamos à beira de um rio, aponta para a beleza do
próprio Deus como o criador. Isso naturalmente nos leva a pensar em outras
maneiras de a teologia nos ajudar a explicar e comunicar a fé cristã para os
amigos. No próximo capítulo, veremos como a teologia nos permite desenvolver
percepções poderosas para a apologética. Uma boa teologia é uma ferramenta
essencial para o evangelismo!
CAPÍTULO 10
A ATRATIVIDADE DO EVANGELHO: TEOLOGIA
E APOLOGÉTICA
A apologética se resume em
apresentar as razões da fé. Seu alvo é convencer as pessoas de que o cristianismo
faz sentido. Tornar-se cristão não significa cometer suicídio intelectual. A
apologética procura lidar com as barreiras impostas à fé, dando respostas
sensatas, que permitam à audiência apreciar toda a atração e coerência da fé
cristã. Em particular, ela busca estabelecer a total atratividade de Jesus
Cristo, para que os alheios à fé comecem a entender por que ele merece séria
consideração.
Como a teologia faz isso? Ela nos
permite apreciar a fé pelo que vale. São boas notícias para nós: dela depende a
qualidade de nossa fé. Mas também nos permite começar a compreender por que o
cristianismo pode atrair as pessoas.
Jesus certa vez comparou o reino
dos céus a uma pérola de grande valor. “O Reino dos céus também é como um
negociante que procura pérolas preciosas. Encontrando uma pérola de grande
valor, foi, vendeu tudo o que tinha e a comprou” (Mt 13:45-46). O negociante entendia
de pérolas e pôde ver que aquela era tão bonita e preciosa que valia a pena
desistir de tudo para possuí-la.
Nossa tarefa é ajudar as pessoas
a perceberem que a fé cristã é tão animadora e maravilhosa que não pode ser
comparada. Significa ajudar as pessoas a entenderem os atrativos da fé. A
teologia permite identificar e apreciar os elementos individuais da fé cristã.
E como abrir um baú de tesouros e pegar, uma a uma, joias, pérolas e metais preciosos,
para que sejam vistos e apreciados individualmente.
Ilustrar a relação entre
apologética, teologia e evangelismo pode ajudar. Jesus muitas vezes compara o
evangelho com uma ceia ou qualquer tipo de festa (cf. Lc 14:15-24). Tente
imaginar três maneiras diferentes de fazer as pessoas comparecerem à festa.
A primeira abordagem enfatiza que
há realmente uma festa, explica por que haverá muita diversão e fala sobre o
grande momento que todos terão. A apologética é isso. Consiste basicamente em
afirmar a verdade e atratividade do evangelho. É uma espécie de
pré-evangelismo. Ao ajudar as pessoas a entenderem o significado do
cristianismo e por que ele é tão atrativo e significativo, ela prepara o
caminho para que o convite seja seguido.
A segunda abordagem destaca os
pratos individuais que serão servidos, identificando-os e apontando as atrações
a serem degustadas. Os maravilhosos vinhos antigos, o pão fresco e cheiroso, as
frutas suculentas, são todos nomeados e apreciados. Isso é o que a teologia
faz. Ela nos convida a sentar ao redor da mesa celestial e a nos deliciar com
as riquezas expostas. Isso facilita a tarefa de convidar pessoas para uma ceia,
porque podemos dizer exatamente o que as espera.
A terceira abordagem, o
evangelismo, é um convite individual para seguir a fé e se tornar cristão. A
teologia, porém, preparou o terreno para esse convite. Como um prisma
transforma um raio de luz branca nas bonitas cores do arco-íris, também a teologia
permite que separemos os elementos individuais do evangelho cristão. A teologia
é a ferramenta que permite que as muitas facetas do evangelho cintilem
brilhantemente a sua luz.
Mas por que isso é importante?
Por que alguém quer explorar as muitas facetas do evangelho? A resposta está
nas audiências para as quais apresentamos o evangelho. Diferentes pessoas têm necessidades
e preocupações diferentes. Um aspecto do evangelho pode conectar um grupo de
necessidades, enquanto um segundo pode se identificar com outros. Para apreciar
essa questão, vamos revisar rápida e novamente o tema central da fé cristã: o
sentido da cruz.
E impossível resumir a imensa,
rica e complexa mensagem da cruz em poucas palavras. Na verdade, um dos grandes
encantos da teologia é que ela nos oferece a oportunidade de refletir
profundamente (e com que aprendizado!) no sentido total dos maiores temas da mensagem
cristã, como a cruz de Cristo. É importante, porém, notar que inúmeros aspectos
podem ser identificados nessa mensagem — e cada um apresenta relevância
particular para determinado grupo de pessoas.
Um dos grandes temas do evangelho
é que a cruz e a ressurreição de Jesus Cristo nos libertaram do medo da morte.
Cristo foi levantado de entre os mortos, e aqueles que têm fé um dia
compartilharão dessa ressurreição, permanecendo com ele para sempre. A morte já
não precisa ser temida. A Páscoa é a celebração suprema desse fato. Essa
grande mensagem de esperança em meio ao sofrimento e à morte é crucial para
nós. Ela se reveste ainda de especial relevância para aqueles que acordam no
meio da noite, assustados por pensarem na morte.
Outro grande tema da cruz é o
perdão. Através da morte de Cristo, o pecado pode ser de fato perdoado. Isso
nos ajuda não só a entender que a redenção é, ao mesmo tempo, preciosa e cara,
mas também a apreciar a relevância do evangelho para um grupo particular de
pessoas — os consumidos pela culpa. Muitos mal conseguem viver, enredados que
estão nesse sentimento. A teologia identifica uma das muitas facetas do
evangelho especialmente relevantes para tais pessoas. Os pecados podem ser
perdoados e as culpas, lavadas.
O mesmo tipo de pensamento pode ser
aplicado de várias maneiras. O importante é pôr o evangelho em contato com a
vida das pessoas. A teologia ajuda a identificar o ponto de contato mais apropriado
com esses indivíduos, para que possam descobrir a alegria da fé. Não quer dizer
que estamos reduzindo o evangelho a apenas um ponto! Significa simplesmente que
procuramos o aspecto do evangelho de maior relevância para nosso interlocutor.
Os demais aspectos dos evangelhos seguirão seu devido curso. Temos de partir de
algo, e a teologia ajuda a identificar o melhor ponto de partida em cada caso.
A teologia, então, nos ajuda a
explicar e proclamar a fé cristã mais eficazmente para as pessoas ainda não-cristãs.
É uma ferramenta essencial para indivíduos e igrejas que procuram proclamar o
evangelho. Mas ela representa ainda outro papel relacionado a esse. Ela não
apenas ajuda a entender os atrativos do evangelho, mas aprofunda o nosso
entendimento e ajuda a aplicá-lo a nós mesmos.
Acabamos de observar a relevância
da teologia para a apologética. Agora devemos considerar sua relevância para a
espiritualidade.
CAPÍTULO 11
A ESPIRITUALIDADE É A APLICAÇÃO
DA VERDADE CRISTÃ À VIDA DE FÉ.
Seu alvo é nos assegurar que
conheçamos sobre Deus e a Deus. Ela procura colocar Deus no coração e na mente.
A espiritualidade ocupa-se do aprofundamento no conhecimento pessoal de Deus. Como
veremos, ela se baseia em uma boa teologia, que alicerça a vida cristã.
Um dos teólogos mais importantes que
escreveram a esse respeito, no século XX, é James I. Packer (nascido em 1926).
O trabalho clássico de Packer, O conhecimento de Deus, é um exemplo excelente
de um livro que mostra como a teologia lida com o aprofundamento da fé e o
enriquecimento da experiência pessoal. Ainda que valorize a cuidadosa reflexão
sobre a fé, Packer é claro ao afirmar que o cristianismo é mais que ideias! O
cristianismo visa a permitir que a realidade de Deus penetre em cada aspecto da
vida.
Em dezembro de 1989, Packer deu sua
aula inaugural no Regent College, em Vancouver (Canadá), sobre a relação entre
teologia e espiritualidade. Nessa palestra, Packer defendeu a impossibilidade
de separarmos teologia da espiritualidade.
Questiono a propriedade de
conceituar o objeto da teologia sistemática como verdades simplesmente
reveladas sobre Deus. Rejeito a suposição que normalmente acompanha esse modo
de pensar de que o material, a exemplo das informações científicas, é mais bem
estudado em isolamento frio e clínico. Isolamento de que, você pergunta?
Isolamento da atividade relacional de confiar, amar, adorar, obedecer, servir e
glorificar a Deus? Isolamento da atividade cujo resultado é perceber que alguém
está realmente na presença de Deus, sendo guiado de fato por Ele, toda vez que
abre a Bíblia ou reflete sobre uma verdade divina.
Isso [...] dá a entender que o estudo
da doutrina é confuso quando introduz preocupações devocionais, colocando uma
barreira entre [...] conhecer as noções verdadeiras sobre Deus e conhecer o
verdadeiro Deus em Si mesmo. O ponto sugerido por Packer é que uma experiência
genuína com Deus impossibilita Seu estudo isolado. Conhecer a Deus é comprometer-se
com Ele. Colocar uma barreira entre teologia e espiritualidade é como pedir a
duas pessoas apaixonadas que se relacionem friamente.
Então, como a teologia nos ajuda espiritualmente?
Como nos ajuda a sustentar e aprofundar a fé? Para responder a essa questão
devemos explorar um aspecto da teologia que ainda não analisamos neste livro: o
problema do sofrimento e da dor. Como podemos suportar o sofrimento? Trata-se
de um dos aspectos mais dolorosos da vida. Uma das razões que tornam essa
questão tão angustiante é que ela trata de algo que sentimos estar além de
Deus. Como podemos orar a Deus sobre o sofrimento se ele não o conhece? Seria muito
mais fácil se Deus tivesse experimentado em primeira mão o sofrimento e a dor.
É sempre mais fácil nos relacionarmos
com alguém que passou pelas mesmas experiências. Suponha que um amigo próximo
tenha morrido e eu queira conversar sobre isso com um bom ouvinte. Eu poderia
ir até alguém que não tenha passado por essa experiência, mas que estivesse
pronto a tentar entender minha situação. Isso poderia ajudar e, com certeza,
seria melhor que nada.
Seria bem mais útil, porém, falar
com alguém que tivesse passado pela mesma experiência. Haveria um laço de
empatia entre nós. Teríamos compartilhado o mesmo luto e seríamos capazes de entender
um ao outro. Eu me sentiria muito mais confortável em falar com alguém que já
tivesse passado por uma experiência semelhante. Por isso é totalmente natural
considerar mais fácil orar a Deus sobre o sofrimento e a dor sabendo que ele
passou por isso antes de nós.
Por acaso Deus sofre? Essa é uma
das questões mais incômodas para muitos cristãos, particularmente para os que
passam por períodos de sofrimento. Faz toda a diferença do mundo saber se Deus
experimentou algum sofrimento. Se Ele não sabe o que é o sofrimento, então não
terá empatia conosco nesses momentos.
Em contrapartida, se Deus
experimentou o sofrimento e a dor deste mundo, podemos orar cientes de estar na
presença de um companheiro de sofrimento que sabe o que estamos passando e pode
entender nossas experiências, nossos medos e nossas preocupações.
É aqui que a teologia entra em
cena, e tem uma contribuição decisiva. Ela nos lembra que Jesus Cristo é nada
menos que o Filho de Deus. Em Jesus Cristo, Deus entrou em nosso mundo de
sofrimento e dor para nos redimir. O argumento de que Deus experimentou o
sofrimento em primeira mão é baseado nas “duas naturezas” de Jesus, que já
analisamos anteriormente.
Tal argumento pode ser colocado
da seguinte maneira:
1. Jesus é Deus.
2. Jesus experimentou a dor e o
sofrimento.
3. Portanto, Deus experimentou a
dor e o sofrimento.
Com isso em mente, podemos voltar
a falar de dor e sofrimento, que são como terras estranhas nas quais Deus
escolheu viver antes de nós. Ele já experimentou o sofrimento e a dor que agora
conhecemos. Deus dignificou o sofrimento ao passar por ele.
Essa ideia não elimina o
sofrimento, mas permite que vejamos uma nova luz. A carta aos Hebreus fala
sobre Jesus como nosso empático sumo sacerdote (4:15), alguém que sofre conosco
(que é o sentido literal de ambas as palavras, a grega sympathetic e a latina
compassionate). Deus sabe quão fraca é nossa fé e faz tudo o que pode para nos
sustentar e apoiar. O sofrimento de Jesus Cristo significou a certeza de que temos
o privilégio de nos relacionar com um Deus que conhece a dor e o sofrimento de
viver em um mundo caído. As narrativas evangélicas da paixão nos contam de um
Salvador que entende de fato o sofrimento e que passou por isso.
O Deus que fez o céu e a terra
sabe como é o ser humano. Esse pensamento é ao mesmo tempo surpreendente e
profundamente confortador. Não estamos falando de Deus igualar-se a nós, como
se Ele tivesse se disfarçado para se passar por um de nós. Estamos falando
sobre o Deus que criou o mundo e entrou nele, em nosso favor, para nos redimir.
Deus não mandou um mensageiro ou um representante para ajudar as pobres
criaturas que somos: Ele se envolveu diretamente, redimindo a própria criação,
em vez de usar outras pessoas para fazer isso por Ele.
Acertar nossas ideias sobre Deus
é essencial para nossa vida cristã. Se pensarmos que Deus nunca se envolveu com
a dor e a tristeza do mundo, acharemos difícil nos relacionar com Ele e ainda
mais difícil orar quando sofremos.
O Deus que os cristãos adoram e louvam
é Aquele que Se humilhou, entrando em nosso mundo triste e sofredor, levando
esse sofrimento para que pudéssemos ser redimidos e ter esperança de vida eterna.
Um dia, estaremos com Ele na Nova Jerusalém, quando toda a dor e todo o
sofrimento finalmente terão acabado.
CAPÍTULO 12
SEGUINDO EM FRENTE
Todo livro apresenta limites, e
este não é exceção. Seus objetivos são limitados, e podemos resumi-los assim:
1. Apresentar a você o estudo da
teologia.
2. Mostrar-lhe que ele vale a
pena.
3. Encorajá-lo a ir além.
Há muito mais que dizer sobre teologia!
Limite significa que assuntos importantes apenas começaram a ser estudados e assuntos
cruciais foram tratados de forma superficial. Você algumas vezes deve ter
desejado que fosse possível analisar as coisas de forma mais profunda.
Então, por que não fazê-lo? Por
que não levar as coisas adiante por conta própria? Este livro tentou
encorajá-lo, mostrando que é capaz de lidar com os princípios básicos da
teologia. Há ouro nessas jazidas teológicas! Por que não explorar mais?
A boa teologia pode trazer nova
profundidade e qualidade a sua fé, e isso o ajudará a explicá-la mais eficazmente
a seus amigos. Você começou como amador, mas não precisa permanecer como tal.
Pode ser uma fonte de pesquisa para sua igreja ou para seu grupo de estudo
bíblico. Pode achar que está dando respostas muito melhores para aquelas
questões que as pessoas do trabalho lhe fazem sobre o cristianismo.
Se você se sente pronto para
seguir em frente, este capítulo final o ajudará a entender como agir. Há duas
maneiras para levai' adiante seu interesse pela teologia: optar pelo estudo
mais detalhado da teologia como um todo, e começar a estudar um ou dois
teólogos de maneira mais perspicaz.
Este livro não pretendeu examinar
de forma exaustiva nenhuma área da teologia. Tive de omitir grandes áreas de
discussões porque o objetivo é motivá-lo a conhecer de forma simples e
envolvente a relação de sua fé e o cristianismo. Uma apresentação mais
detalhada da teologia cristã permitirá discussões mais profundas. Você pode
encontrar, por exemplo, discussões sobre os seguintes assuntos:
1. As
fontes da teologia. Como a teologia faz uso da Bíblia e se relaciona com ela, a
razão, a tradição e a experiência?
2. Os
grandes períodos da teologia. Por exemplo, o século XVI é o período mais interessante
da teologia, pois nos permite aprender sobre teólogos como Martinho Lutero
(1483-1546) e João Calvino (1509-1564), ou sobre grandes questões teológicas,
como a justificação pela fé.
Duas introduções das mais
utilizadas na teologia cristã são indicadas aqui.
Christian Theology (Teologia
cristã), de Millard J. Erickson, é uma obra substancial, que oferece uma visão
completa e competente de muitas áreas da teologia. Erickson tem um longo
envolvimento com o ensino da teologia, e seu trabalho é obviamente obra de um
experiente professor e guia.
A segunda introdução é um irmão
mais velho deste pequeno trabalho. O meu Teologia sistemática, histórica e
filosófica: Uma introdução à teologia cristã oferece uma introdução básica das
principais questões da teologia cristã (São Paulo: Shedd, 2005). Ele foi escrito
na pressuposição de que você nada sabe sobre a teologia ou a história cristã, e
se propõe a levá-lo a um aprendizado tão rápido quanto possível. Algumas leituras
anotadas (Christian Theology Reader. Oxford: Blackwell Publishing, 1995) também
estão disponível para encorajá-lo a ler os trabalhos originais dos teólogos.
Isso nos leva à segunda maneira
de desenvolver nosso crescente interesse por teologia: ler os trabalhos de
alguns proeminentes teólogos. Obviamente, isso levanta uma questão crucial: que
teólogos devemos ler? Como esse livro é escrito em nível introdutório, a melhor
resposta é provavelmente a mais simples: leia os teólogos que escrevem bem. Não
há motivo para ler um grande teólogo se essa experiência for muito difícil. Espere
até sentir-se confiante o suficiente para lê-los! Enquanto isso, explore alguns
teólogos conhecidos por sua clareza e escrita acessível.
Comece lendo uma biografia do
teólogo. Isso vai ajudá-lo a perceber que ele é uma pessoa de verdade! Vai
ajudá-lo a ter uma ideia das questões que enfrentou, das respostas que
encontrou e de quão importante isso foi para a fé cristã.
Existem muitos teólogos que se encaixam
nessa categoria. Agostinho de Hipona, Martinho Lutero e João Calvino são
exemplos óbvios. No entanto, os dois que recomendo são escritores do século XX,
com influência considerável no cristianismo de língua inglesa, especialmente em
nível popular.
C. S. Lewis (1888-1963) é
lembrado por As crônicas de Nárnia, uma série de histórias bem escritas para
crianças, que colocam as ideias básicas cristãs de maneira muito criativa e atrativa.
Os seus trabalhos teológicos mais sérios — como Surprised by Joy [Surpreendido
pela alegria] e Cristianismo puro e simples — são textos bem articulados e fáceis
de ler sobre os temas básicos da fé cristã. Lewis era conhecido por sua competência
como comunicador. Percorrer seus escritos é uma forma divertida e efetiva de
aprofundar o interesse pela teologia.
James I. Packer (1926) é um dos
mais renomados teólogos evangélicos do século XX. Estudou teologia na Universidade
de Oxford e obteve o doutorado com a tese sobre a teologia de um destacado escritor
puritano. Packer rapidamente se estabeleceu como bom professor, com particular interesse
em relacionar teologia cristã e espiritualidade. Isso é bem evidente em O
conhecimento de Deus, seu trabalho mais conhecido. Packer interessa-se particularmente
pela teologia dos puritanos. Seu livro Entre os gigantes de Deus, explorou a
visão puritana da vida cristã e sua relevância na atualidade.
Conclusão
Estudar teologia é como abrir uma
porta. Atrás dela há uma miríade de tesouros. Podemos pegá-los, um de cada vez,
e nos maravilhar com sua beleza e riqueza. Abrir a porta da casa do tesouro da teologia
cristã é examinar cada um dos grandes temas da fé. Cada assunto, como joias
preciosas, merece cuidado e atenção individual. Cada um tem muito que oferecer.
Cada um nos fascina a mente, nos anima o coração e nos faz querer pregar as
boas-novas.
A teologia nada tem a ver com isolamento
frio e clínico, nem com fórmulas e frases secas e vazias. O que importa nela é
como aprender mais sobre o Deus vivo e amoroso, e servir-lhe por inteiro com a
mente e o coração. Para aprender mais sobre Deus é preciso estar mais perto
dele e buscar com afinco o dia em que finalmente estaremos com Ele.
Enquanto isso, há muito que fazer.
O evangelho deve ser pregado. A fé deve ser fortalecida. Deus deve ser servido.
Em todas essas tarefas, a teologia pode nos inspirar e informar. Teologia é uma
“conversa com Deus”, que aprofunda nosso desejo de finalmente estar com Ele, e nutre
nosso Desejo de servi-Lo enquanto isso.
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